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HELIOS SEELINGER

O tal gênio desordenado, atribuído ao artista quando estudante na Universidade de Belas Artes de Munique, não se deteve as suas obras. Helius Seelinger era um artista multifacetado. Personalidade proeminente no cenário artístico e cultural da Velha República e Era Vargas, era um incentivador incansável da renovação artística como agitador cultural. Folião de primeira, trouxe do Bal des Quat’z’Arts, a proposta de criação do Baile dos Artistas no Theatro Fênix. Como caricaturista criou o movimento Chove no Molhado, que segundo o próprio não era nem contra nem a favor ao Modernismo, mas um movimento humorístico. O artista plástico atuou como ator no Teatro de Revista de Luiz Peixoto. O carnavalesco, ora produzia para os Fenianos, ora para Os Tenentes do Diabo. Já pintor,  foi um dos estimuladores do Grupo dos Treze e do Salão de Outono de 1925, apresentou Victor Brecheret a Oswald de Andrade, Menotti del Picchia e Di Cavalcanti ,  contribuindo para  o reconhecimento do escultor, além de ter sido atuante nas discussões acerca das reformulações do currículo da Escola Nacional de Belas Artes e incentivar o projeto modernizador da ENBA,  não limitando-se apenas a expor no Salão Revolucionário de 1931, mas deixando  uma marca profunda e indelével  ao explicar a imprensa a importância da exposição. Compromissado com diversos movimentos da classe artística, foi dos membros fundadores da Sociedade Brasileira de Belas Artes, Salão dos Humoristas, Casa dos Artistas (Retiro dos Artistas) e Salão Internacional dos Humoristas.

"Decifra-me ou te zuarei"

Desde muito jovem participava do “Grupo Olavo Bilac”, na Belle Époque tropical. Em Paris formava a dupla Helios e Belmiro de Almeida nas blagues (teatralizações cômicas, similar às pegadinhas de hoje) em festas do meio artístico, e foi um fiel frequentador dos bailes Quat’z’Arts (grande evento festivo-estético organizado pelos alunos da Escola Nacional de Belas Artes de Paris). Tornou-se um memorável mestre da blague Carioca, contando com a luxuosa e especialíssima   parceria de  K.Lixto, Raul Pederneiras, Luiz Edmundo, Luiz Peixoto e Oswaldo Teixeira.

Até os 60 anos, o artista representava-se como sátiro. Em período tardio, passa a se retratar como macaco. Inclusive, Alberto Lima o desenhou para o seu ex-libris como macaco-pintor, cujo lema da caricatura é : “Quisquissimius in ramo suo” (cada macaco no seu galho).

O que não cabia em sua pintura extravasava nas blagues e na autorrepesentação como sátiro, farrista, macaco e folião. Criou sua persona artística como memorável boêmio, irreverente e anedótico, muitas vezes confundida, pelos fãs e na historiografia, com a própria realidade. O artista foi contumaz em estabelecer uma linha extremamente confusa e tênue entre o   limite arte-vida, com plena consciência que sua escolha lhe conferia possibilidades desmedidas e profusas. Essa forma de agir e andar pela vida dava-lhe a singular oportunidade de ser outro, ele mesmo, com pleno gozo de si e que era ele próprio a superar a si mesmo.

ARQUIVO HELIOS SEELINGER

O artista teve uma rede de sociabilidade expressiva e amizades longevas: K. Lixto, Raul Pederneiras, Belmiro de Almeida, Rodolpho e Henrique Bernardelli, Georgiana de Albuquerque, Bruno Lobo, Luiz Edmundo, Maurício de Medeiros, Luiz Peixoto, Arthur Timóteo da Costa, Eliseu Visconti, Fernando Corona, Oswaldo Teixeira, Odette Barcellos, Paula Fonseca, João Batista Ferri, Benedito José Tobias, para se falar dos mais próximos.

Registrou sua trajetória artística arquivando sua correspondência pessoal e profissional, documentos institucionais, fotografias avulsas e demais anotações, sobretudo o álbum “München Rio de Janeiro Paris 1896-1914”, identificado como um álbum Luiz Edmundo, Luiz Peixoto e Helios”, e outro, sem título, de seu período no Brasil de 1914 a 1930. O Arquivo Helios Seelinger possui em torno de 900 documentos , parte dele doado para CEDOC/ Pinacoteca de São Paulo.   A coleção foi digitalizada e inserida em uma base de dados para utilização da pesquisa realizada por João Bancanto.  No trabalho de resgate de sua memória, incluímos ao seu acervo o mobiliário de seu ateliê e livros de sua biblioteca pessoal.

O projeto de metalinguagem do artista se evidencia na criação artística de seus álbuns e do manuscrito composto de 10 livros, intitulado Minha Vida Anedótica Bem Vivida 1878-1958, que dá tratamento às memórias de sua persona artística. Não trata-se de uma autobiografia, mas de uma narrativa humorística com incursões estéticas de recorte-colagem de fotografias, cartões postais e caricaturas, acrescentando máscaras, fantasias e alegorias nas fotos.

Minha vida Anedótica Bem Vivida está endereçada aos historiadores da arte, humoristas e psicanalistas. Isso nos deixa claro seu desejo de ser interpretado. Ciente que nos concedia como legado mais que sua pintura, deixou-nos um pedido ‘decifra-me ou te zuarei’ com meu gênio desordenado.

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